19-01-2012
Querido Diário,
O dia passou, mas nem este conseguiu ser melhor que os que lhe antecederam. As minhas lágrimas voltaram a tombar dos meus olhos turvos, enquanto os meus joelhos perdiam firmeza, aterrando no chão frio e egoísta. Consegui aguentar até atravessar a porta de casa. Não foi fácil. Esta travessia que levo a cabo diariamente começa a torturar-me e obriga-me a reviver o que não desejo. As mesmas recordações, os mesmos locais. É doloroso. Caminhei até ao mesmo local de sempre, sentei-me no mesmo sitio, e como sempre, abri o caderno e procurei esboçar os meus sentimentos nele. Foi árduo, infrutífero e desnecessário. Desnecessário, como tudo o que teimo em fazer desde o que aconteceu. As lágrimas picaram-me os olhos mas desta vez não escorreram pelo meu semblante. Guardei-as para mim e abri um sorriso leve. Chorava por dentro, mas não aguentava mais a necessidade absurda que as pessoas tinham de me abordar infelizmente, inquirindo o porquê da minha tristeza. Observei o pátio, os rostos que se espalhavam por todo o lado eram desconhecidos, despreocupados e incomodativos. Caminhavam de expressões ausentes assentes nas faces, rindo e sorrindo enquanto o meu coração berrava por uma ajuda que não vinha. Que nunca chegaria. Levei o lápis às folhas emaculadamente brancas na esperança que uma súbita onda de inspiração me assolasse e me ajudasse a descobrir o que eu própria sentia. Não resultou. Nunca resulta. Talvez por eu andar perdida. Talvez por não saber ao certo o que me mantém aqui depois do que o passado me trouxe, roubando o meu presente e prendendo-me no pretérito. Hoje não quis assistir ao desfecho de mais um dia. Não ia ficar ali à espera de algo que nunca chegaria. Não ia perder mais um dia em frente a um caderno molhado de lágrimas amarguradas. Fechei o caderno e ergui-me daquele banco velho. Abandonei o pátio e fugi para o parque. Sim, o parque de outrora. Estava igual. As mesmas flores mantinham o seu odor agradável, a mesma frescura que as árvores emanavam, o mesmo chilrear incessante dos pequenos pássaros. Nada havia mudado como eu esperara. Deixei a melancolia assolar-me e resguardei-me debaixo de uma árvore observando o que me circundava. Quantas vezes havia eu estado ali. Correndo naquele local, pisando as poças de água que se agrupavam, trepando até aos ramos mais baixos dos pinheiros mais próximos, rebolando na relva com um sorriso no meu rosto de criança! Um passado que me fora roubado. Algo que me fora retirado sem razão ou explicação. Aquele dia! Aquele maldito dia havia tirado de mim toda a minha inocência. O maldito dia em que aquele devasso me tocou pela primeira vez. O maldito dia em que a sua força se tinha sobreposto à minha quebrando toda a minha vulnerabilidade! O dia em que aquelas mãos sujas, em que aquela boca arrogante, em que aqueles olhos apedrejados de malicia, o dia em que aquele devasso tinha abusado de mim!
Desde então, sentia esta raiva angustiante, este pudor desmedido e este medo assolador. Desde então as minhas noites não têm descanso e o meu dia não tem qualquer luz. Aquele caderno, o caderno que outrora me havia levado a criar histórias brilhantes, de nada mais me servia agora. Só havia escuridão em mim.
Querido Diário, as minhas lágrimas escorrem neste momento e os meus joelhos estão fracos, assim como a minha alma. Só quero a minha inocência de volta. Amanhã é um novo dia. Não quero que ele chegue. Só quero que tudo isto acabe. Que eu acabe.
*História totalmente fictícia e que em nada corresponde à realidade da minha pessoa.
Renegada às Quintas!
Emma Sommers :)
Se soubesses o quanto gostei de ler este post! O quanto achei brilhante e tão triste que quase me fez sentir um aperto no coração! Amei, amei e amei! Muito bem escrito! Adorei as últimas partes, as descrições! *-* Os meus parabéns! beijinho!!!
ResponderEliminarFaço das palavras da Nya, as minhas palavras!
ResponderEliminarSem tirar nem pôr!!
Está realmente genial e as descrições realmente soberbas!
Amei, amei *.*
Muito bem escrita. Este é o dom do verdadeiro escritor Bree, vivenciar situações e fazer com que o leitor vivencie, mesmo sendo fictícias.
ResponderEliminarEu gosto muito mais de ler textos assim, que condizem com a realidade, ao invés de lobos, vampiros e coisas fantásticas que viraram modismo. E vejo que será uma escritora com um futuro promissor se continuar neste rumo.
Lembre-se que os modismos passam, no entanto, uma obra verdadeira e sincera é eterna.
Meus muitos parabéns aos seus escritos!