Like The Renegades!

janeiro 26, 2012

O último dia.



O seu rosto embateu no vidro gélido provocando nela uma sensação de alívio momentâneo, enquanto a chuva embatia na janela tão agressivamente quanto aquele cinto a chicoteava. O seu cabelo foi puxado por mãos fortes e a sua cabeça levou um tombo enquanto a sua mente ziguezagueava e os seus pensamentos descoordenados se  misturavam. Era um pesadelo. Mais que isso. Era um pesadelo rotineiro. Todos os dias a mais breve palavra culminava naquele cenário. Os seus olhos turvos e as feridas mal cicatrizadas caracterizavam o seu rosto numa expressão que tanto tinha de assustadora como de penosa. 
Continuava a ser arremessada contra a parede com uma brutalidade perversa, enquanto as suas lágrimas se misturavam com o sangue, pisando as feridas dolorosas. 
Aquele Monstro. Era assim que a sua mãe o deveria ter batizado, em vez de um nome qualquer sem significado. Ele era um monstro. Os seus olhos dardejantes eram como poços de malícia sem fim, a sua sede de vingança era abominável.  
Ela moveu a cara tentando encará-lo, irrompendo aos gritos a meio da ação, após mais uma chicotada desferida no seu corpo semi despido. O seu grito não era o de outrora, era mais fundo, desgastado e conformado. Um grito que já mal se esforçava por sair, que já mal se esforçava por se fazer ouvir. 
Ela soluçava enquanto o seu sofrimento parecia não avistar o fim. As suas costas, calejadas pelas infindáveis vezes em que haviam sentido os pontapés certeiros daquele devasso, latejavam em tom escarlate assistindo mais uma vez a um dia sem descanso. Ela aninhou-se no chão continuando a suportar a dor como uma guerreira que era. Tinha guardado os seus sonhos numa caixa pequenina e corrido atrás de quem não valia a pena. Desde então a sua casa não era mais o seu lar, antes um antro de maldade, desilusão, terror e submissão.  
Brutalmente, ela sentiu o seu corpo a ser virado por mãos pesadas que lhe calcavam ainda mais as nódoas negras que a marcavam. Ergueu a cabeça e mais uma vez encarou aquele rosto desprezível. Só conseguia sentir mágoa. Nada de raiva ou ódio. Só mágoa. Se calhar por estar cegamente apaixonada por ele, ou por a desilusão lhe toldar a visão mais que qualquer outra emoção. Ela não sabia, mas o seu coração só refletia mágoa e tristeza, desilusão. Fitou os seus olhos pútridos de indiferença e mais uma vez foi esbofetada por uma mão encardida de  desprezo. As lágrimas continuaram a rolar pela sua face e o riso daquele dissoluto ecoou pelas paredes daquele espaço, uma risada arrogante e sarcástica que a atingiu no mais fundo da sua alma. Aquilo dava-lhe prazer, ela sabia-o, podia senti-lo. 
Ele virou costas e saiu do compartimento, imponente e hirto. Ela recolheu-se nas sombras e deixou as lágrimas copiosas escorregarem semblante abaixo, enquanto ela reprimia os soluços que se esforçavam por lhe escapar. Chegara ao fim. Não o pesadelo, mas aquele dia. Aquele dia tinha terminado, mas tudo não passaria de uma ilusão que se repetiria no dia seguinte e ainda depois disso. O seu corpo dorido gritava por ajuda, uma ajuda que nunca chegaria. 
E enquanto o seu coração abrandava e a sua vista se enevoava , as suas forças dissolviam-se no ar à sua volta e uma última vez a sua cabeça tombou de encontro ao chão. Os seus olhos cerraram e as nódoas negras e feridas deixaram de doer, enquanto a sua vida lhe era roubada. Escuridão. Nada mais. 

Bree Emma Sommers* ,
Renegada às quintas#

4 comentários:

  1. Adorei, Bree ;) e pura coincidência, hoje tive uma sessão em que uma psicologa nos falava sobre violencia no namoro!
    Este texto, mostra aquilo que as mulheres sofre. Está tão bem conseguido! Amei, dear Emm!
    Parabéns!

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    1. Ainda bem que gostaste Cass! :D Infelizmente é algo que ocorre cada vez com mais regularidade. Obrigada , sweet Cass! *-*

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